PAI É QUEM CUIDA

Em tempos de pandemia, em um planeta onde mais de um bilhão de crianças vivem na pobreza, e sem a mínima dignidade ou esperança, estamos assistindo uma guerra na internet entre os que ficaram indignados com a campanha publicitária de uma empresa para a comemoração do “Dia dos Pais” e os que apoiaram a tão estrondosa campanha. E no centro da disputa, o fato de ao invés de apenas pais “tradicionais” terem sido selecionados, entre outros, a empresa optou por também destacar um homem trans nas homenagens da referida data.

Não existe absolutamente nada de errado na escolha do ator, mas é importante que campanhas para celebrar a data contribuam com o debate sobre o papel que um pai deve desempenhar na vida do filho e ressalte a importância da paternidade responsável. Vale lembrar, que vivemos em um mundo onde mais de 150 milhões de crianças perderam ao menos o pai ou a mãe, e ao menos 13 milhões perderam ambos em consequência de guerras, abandono econômico e pandemias (UNICEF).

Entretanto, o problema está no ódio destilado nas redes e nas ofensas proferidas por todos os lados, que nada acrescentaram à vida de milhares de crianças e adolescentes abandonados em suas casas, em abrigos ou nas ruas, justamente por quem mais deveria cuidar deles.

Sem dúvida alguma, as agressões e piadas de péssimo gosto na internet contra o pai escolhido demonstram o mais absoluto preconceito, pois não interessa o gênero de quem está disposto a acolher e cuidar de uma criança neste mundo. Em defesa do ator, muitos internautas inclusive citaram que existem mais de 5,5 milhões de crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento no Brasil.

Os números estão corretos, mas vale ressaltar que tal situação é ainda bem mais grave, pois são do Censo Escolar do MEC – Ministério da Educação realizado ainda em 2012, à pedido do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, que apenas incluiu as crianças matriculadas na rede escolar. Considerando a alta taxa de evasão escolar no Brasil, bem como, a atualização de quase uma década, esse número total deve ser infinitamente maior.

E sem qualquer justificativa, também ocorreram ataques desnecessários à “tradicional” figura masculina dos pais, como se todos não cuidassem dos seus filhos, ou houvesse algo de errado nisso. Tais acusações são incompatíveis com a postura participativa que os pais presentes adotam diante de uma visão moderna da paternidade nos dias atuais. Ao contrário, é preciso sempre abrir espaço para que esses pais estejam cada vez mais presentes no dia a dia dos seus filhos. Mas é claro, que isso vale para os que querem participar da criação dos seus filhos, pois mãe também não é “santo milagreiro”.

Tem mais de uma década que segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – IBGE) o tradicional arranjo familiar deixou de estar presente nas maioria dos lares brasileiros, e não consigo entender o motivo de tanto ódio e polêmica nas redes sociais. Atualmente, muitos filhos são criados exclusivamente por mães, pais, avós, por casais homoafetivos, bem como, por madrastas e padrastos, e são muito bem assistidos e educados.       

Essa é a nova realidade, e podem ter certeza de que não é a forma de composição da família que a deixará mais, ou menos funcional, mas o respeito, o afeto e o cuidado existente entre os seus membros.

E dentro desse caldeirão em ebulição, e sem a intenção de polemizar ainda mais, gostaria de colocar mais um importante ingrediente que faltou na receita do debate atual: a mãe solo. 

Não temos como fechar os olhos para essa realidade presente em grande parte das famílias brasileiras. São mais de 11 milhões de mães que cuidam bravamente dos seus filhos sem qualquer apoio dos pais (IBGE), e muitas podem ser consideradas uma parcela bastante vulnerável da população brasileira. Além de cuidarem de filhos menores, que obviamente não contribuem na renda familiar, possuem uma imensa dificuldade de ter aonde deixar essas crianças para que possam ter como trabalhar e sustentar o lar.

Cada mãe solo, em grande parte dos lares, executa uma jornada tripla, ou seja, trabalha, cuida da casa e dos filhos. Uma tarefa extenuante, covarde e desumana. Mais de 45% dos domicílios brasileiros hoje são comandados por mulheres de acordo com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e mais de 57% vivem abaixo da linha da pobreza segundo o IBGE. Precisamos de um cuidado especial e de um olhar mais humano e diferenciado para cada uma dessas mães.  

Portanto, ao invés ficar discutindo convicções pessoais, opiniões sobre identidade de gênero ou disputas ideológicas, neste momento triste em que vivemos, o melhor é comemorar mais um “Dia dos Pais”, abraçando carinhosamente todos que cuidam bem dos seus filhos, seja quem for, não importando os laços biológicos, ou quem faz qual papel. Pai é quem assume, cria, cuida, protege, ri e chora junto.

Char­les Bic­ca é Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança, Adolescente e Juventude da OAB/DF. Membro da Comissão Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB.

É autor dos livros “Abandono Afetivo – O dever de cuidado e a responsabilidade civil por abandono de filhos” (2015), coautor do livro “Pedofilia – Repressão aos crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes” (2017), e “Mãe, cadê meu pai?” (2019)

É criador da maior comunidade na internet contra o abandono de filhos do Brasil. (www.abandonoafetivo.org)

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