Um homem que buscava reduzir o valor pago de pensão às duas filhas teve o pedido negado pela 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – TJPR. O colegiado aplicou a teoria do cuidado para reconhecer a contribuição materna como elemento essencial da corresponsabilidade parental no sustento das duas filhas e manteve o valor em 30% dos rendimentos líquidos.
De acordo com o acórdão, a mãe das crianças não possui vínculo de emprego formal, atua como estagiária e reside com as filhas na casa da avó materna. Apesar das limitações econômicas, ela “contribui com o sustento das filhas por meio da prestação direta de cuidados, assumindo integralmente as responsabilidades diárias de moradia, alimentação, acompanhamento escolar, transporte e demais atividades vinculadas à convivência e ao cuidado materno”.
No recurso, o homem havia solicitado a redução do valor sob a alegação de dificuldades financeiras decorrentes da formação de nova família e outras despesas. Ao avaliar o caso, o TJPR entendeu que o genitor tem condições de arcar com a obrigação e que o montante é adequado para garantir o sustento das filhas.
A decisão teve como base a teoria do cuidado, que destaca o reconhecimento das tarefas historicamente atribuídas às mulheres como formas de contribuição invisível, não remunerada nem juridicamente compensada.
Segundo a relatora, a fixação dos alimentos deve seguir o trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade, reconhecendo o cuidado direto da genitora como capital invisível que compõe a corresponsabilidade parental. “Desconsiderar esse aporte equivale a reforçar os estereótipos de gênero que relegam à figura paterna o papel exclusivo de provedor financeiro, e à figura materna o cuidado silencioso e naturalizado”.
Ainda conforme a decisão, ignorar o tempo dedicado ao cuidado, o desgaste emocional e a limitação de inserção no mercado de trabalho impõem às mulheres um duplo encargo: sustentar in natura e suprir a ausência de uma contribuição proporcional do outro genitor.
Para a relatora, “não se trata de privilegiar a figura materna, mas de aplicar o princípio da proporcionalidade com base em elementos concretos, respeitando a corresponsabilidade parental”.
O processo tramita sob segredo de Justiça.
Trabalho invisível
A advogada Cecília Nunes Barros, membro da diretoria executiva do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Rio Grande do Sul – IBDFAM-RS, explica que o dever de cuidado é de ambos os pais. Contudo, alerta que a mulher é quem se ocupa da criação dos filhos com exclusividade na maioria dos casos.
Não considerar o tempo de cuidado, a energia emocional e as limitações decorrentes da função de cuidadora, segundo Cecília Barros, impõe à mulher um duplo encargo: “manter o sustento in natura e compensar a ausência de contribuição proporcional do outro genitor”.
“O reconhecimento do valor do cuidado exclusivo com os filhos corrige uma injustiça reiterada que onera não só as mães, mas também as crianças, cujo pai não participa ostensivamente dos seus cuidados e não contribui financeiramente de forma suficiente”, observa.
Ela acrescenta: “Se decisões como essa se tornarem comuns, atribuindo valor ao cuidado exclusivo, estaremos a caminho de superar o paradigma do trabalho de cuidado feminino não remunerado e a melhor dividir as responsabilidades com os filhos, contribuindo para a parentalidade responsável”.
Contemporaneidade
Cecília Nunes Barros entende que a decisão está alinhada ao Direito de Família contemporâneo, “que não pode mais dispensar a perspectiva de gênero”. O entendimento também contempla, segundo ela, a definição da Organização Internacional do Trabalho sobre o trabalho de cuidado, que pode ou não ser remunerado, envolvendo atividades diretas, como alimentar um bebê ou cuidar de um doente, e as indiretas, como cozinhar ou limpar o ambiente.
“A inovação que podemos apontar é o reconhecimento de que o cuidado é um trabalho que possui uma forte dimensão emocional, se desenvolve na intimidade, mas não deixa de ser uma atividade econômica”, pontua
A advogada frisa que os impactos econômicos do cuidado exercido de forma exclusiva pelas mães são inegáveis. “A sobrecarga as impede, muitas vezes, de investir em sua educação e profissionalização, e de aceitar melhores empregos longe de sua eventual rede de apoio, vulnerabilizando ainda mais as famílias lideradas por mães solo. Isso porque, segundo dados divulgados pelo IBGE, em 2017, a taxa de pobreza por família é maior entre as famílias compostas por mulheres sem cônjuge e com filhos.”
“É preciso que se consolide a compreensão de que o dever de cuidado com os filhos possui valor jurídico e econômico para estimular o equilíbrio do exercício da parentalidade entre pais e mães, diminuindo, assim, as assimetrias estruturais da sociedade, proporcionando um ambiente mais propício para o desenvolvimento das nossas crianças”, conclui a especialista.
Fonte: publicado em ibdfam.org.br em 14/08/25